Anda circulando por aí a notícia de que 2%
dos jovens querem ser professor (a maioria quer fazer direito,
engenharia e medicina). O dado vem de uma pesquisa da Fundação Carlos
Chagas, foi divulgado pelo Gilberto Dimenstein e está por toda a rede.
As "notícias-espetáculo" se espalham rapidamente, mas pouca gente dá
atenção às letras miúdas. Resolvi dar uma olhada na pesquisa propriamente dita e vi muita coisa interessante/alarmante.
De fato, o estudo mostra que a profissão de
professor está em baixa no imaginário dos jovens, mas seria bom fazer
uma ressalva sobre o número. Esses 2% referem-se aos alunos que querem
fazer pedagogia ou alguma licenciatura. Eu, por exemplo, que sou
professor há dez anos, não teria feito esta opção no ensino médio. O
número aumenta para 11% quando inclui as opções por carreiras
acadêmicas, ligadas à docência (matemática, história, etc...).
Desses 2% que querem ser professor, 77% são mulheres. E 87% são de
escolas públicas, o que está ligado a outra tendência identificada no
estudo: "quanto maior o nível de instrução dos pais, menor a intenção de ser professor".
Na escola pública, diz a pesquisa, a maioria dos pais não tem curso
superior, ao contrário das particulares. Estes dados confirmam a tese do
"apartheid educacional" no Brasil, que alimenta e mantém a desigualdade de oportunidades entre pobres e ricos.
A pesquisa, que a Fundação Victor Civita encomendou à Fundação Carlos Chagas, ouviu 1501 jovens de escolas públicas e privadas.
O estudo diz que 32% deles pensaram em ser
professor. Dimenstein destacou os motivos pelos quais esses alunos
desistiram da carreira docente: "1) falta de valorização social; 2) salários baixos; e 3) rotina desgastante" (aprendiz). O estudo diz, além disto, que os alunos consideram a profissão árdua porque "apesar
de transformadora e respeitável, exige uma forma de dedicação e um
saber-fazer que ocupam completamente aquele que a ela se dedica, de modo
a exigir demais e retribuir de menos."
Para complementar estas informações vejamos o que os alunos consideraram bom na carreira de professor.
Um dado curioso, ressalta o estudo, é que a
realização profissional e a identificação pessoal com a profissão são
considerados fatores secundários quando esses jovens pensam em ser
professores.
E o que os alunos consideram ruim em ser professor?
O gráfico seguinte também é interessante.
Ele compara aqueles que pensaram em ser professor (32% dos alunos), e
aqueles que optaram por ser professor (2%).
Este gráfico diz que, no futuro, quem sabe
hoje, teremos mais professores "por opção" nas séries iniciais do que
nas outras. O que nos leva a pensar que é preciso uma especial atenção
nas condições de ensino dos professores do Ensino Fundamental 2 e Ensino
Médio. No ensino superior, creio que a razão para a diferença entre os
dois casos seja predominantemente a necessidade de uma pós-graduação e
também a escassez de vagas.
Bem, a ideia era fazer uma análise mais
profunda da pesquisa, mas agora o dever me chama. Preciso preparar as
apostilas para meus alunos. Sendo assim, colo abaixo alguns trechos da
pesquisa que achei interessantes para se pensar.
*
“...as falas dos
estudantes em relação à docência e ao “ser professor” foram permeadas de
contradições e contrastes. Os sentidos que atribuem à imagem da
profissão retratam sempre duas perspectivas de análise. Ao mesmo tempo
em que conferem à docência um lugar de relevância na formação do aluno e
que o professor é reconhecido pela sua função social, retratam que se
trata de uma profissão desvalorizada (social e financeiramente) e que o
professor é desrespeitado pelos alunos, pela sociedade e pelo governo.
O mesmo contraste é
identificado quando fazem referência ao trabalho docente. Para os
alunos, é um trabalho nobre, gratificante, permeado de sentimentos de
prazer e satisfação; entretanto, é recorrente nas falas os comentários
sobre as dificuldades dessa atividade. Trata-se de um trabalho pesado,
que requer paciência, muitas vezes frustrante e que vai além da escola.
E, ainda, que consome boa dose de energia afetiva decorrente da natureza
interpessoal das relações professor/alunos.”
*
“Um outro aspecto que
merece destaque em relação à imagem da docência diz respeito a certas
idéias preconcebidas de que para ensinar não é preciso ter uma formação
específica. Apesar dos estudantes da pesquisa reconhecerem a
complexidade e a exigência da carreira, a docência não é vista como uma
profissão que detém um saber específico que a caracterize e a diferencie
de outras profissões e que precisa ser aprendido. E quanto maior a
proximidade das séries iniciais, maior a percepção de que não é preciso
preparo; apenas basta o cuidado”
*
“Embora não se possa
generalizar, a vivência positiva na escola apareceu mais fortemente nas
escolas particulares. Os estudantes, de modo geral, acreditam que os
docentes da escola privada são mais motivados e melhor remunerados. E os
jovens das escolas públicas idealizam o professor da escola particular.
Essa valorização excessiva da escola privada merece ser melhor
investigada para identificar se, neste contexto, há características
específicas que - ultrapassando as questões de infra-estrutura -
favoreçam o exercício da docência e possam, eventualmente, ser
expandidas a toda rede de ensino.”
*
Para terminar, uma referência teórica trazida pelos autores do estudo, que pode ajudar a pensar a profissão de professor.
“Roldão (2005) ajuda a
compreender essas questões ao discutir o que distingue,
sociologicamente, uma profissão de outras atividades. A autora recorre
ao campo teórico da sociologia das profissões para identificar um
conjunto não uniforme de elementos tidos como descritores de
profissionalidade. São eles: o saber específico indispensável ao
desenvolvimento da atividade e sua natureza; o reconhecimento social da
especificidade da função associada à atividade; o poder de decisão sobre
a ação desenvolvida e autonomia do seu exercício e a pertença a um
corpo coletivo que partilha, regula e defende o saber necessário, o
exercício da função e o acesso a ela.”
Fonte:
Fundação Victor Civita
ATRATIVIDADE DA CARREIRA DOCENTE NO BRASIL
Relatório Premilimar, outubro de 2002
ATRATIVIDADE DA CARREIRA DOCENTE NO BRASIL
Relatório Premilimar, outubro de 2002
http://rizomas.net/educacao/o-educador/293-quem-quer-ser-professor-pesquisa-revela-profissao-em-baixa.html
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